Conselho Tutelar nega que tinha ciência da tortura sofrida por criança de 11 anos em Campinas
Órgão diz que acompanhava a situação de vulnerabilidade do menino e da família há um ano, e que tomou as providências que são de sua competência assim que teve a notícia do crime.
O Conselho Tutelar Sul de Campinas (SP) negou, em nota divulgada na noite desta segunda-feira (1º), que tinha conhecimento da tortura vivida por uma criança de 11 anos, mantida com as mãos e pés acorrentados dentro de um barril de ferro. Segundo o órgão, a família era acompanhada há pelo menos um ano e monitorada quanto a situação de vulnerabilidade social.
O Conselho Tutelar informa, inclusive, que as últimas informações sobre o caso, obtidas em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, mostram que a “situação da criança e da família vinha evoluindo bem e positivamente.”
O menino foi resgatado por policiais militares no último sábado (30) após denúncias de vizinhos. Esses moradores informaram, na ocasião, que os maus-tratos à criança já ocorriam havia anos, e apesar das denúncias ao Conselho Tutelar, o sofrimento do menino não parou.
No comunicado, o órgão defende que “não atua nem como polícia, nem como juiz, nem como serviço”, mas que é responsável por zelar pelo cumprimento dos direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Identificada a violência e a violação do direito, cabe ao órgão requisitar do poder público o atendimento condizente com cada uma das situações identificadas, seja ela de saúde, de educação, socioassistencial, dentre outras. (…) No sábado, ao tomarmos conhecimento da notícia do crime cometido contra ela por seus responsáveis, este Conselho Tutelar, como já vinha fazendo, tão logo tomou conhecimento da gravidade, vem tomando as providências e as medidas necessárias para a garantia dos direitos da criança e para sua proteção, como cabe ao órgão”.
O prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), disse que solicitou que as entidades entreguem até esta terça-feira (2) documentos sobre tudo o que já havia sido registrado sobre o caso do garoto.
“Eu me reuni com várias secretarias, de Assistência Social, de Saúde, de Justiça, para saber todo o histórico dessa criança, solicitei todos os documentos de atendimento e de acompanhamento dela, para que, de posse das informações, eu possa avaliar se vou ou não abrir um processo de investigação. É um caso que deixa a gente completamente perplexo pela crueldade e será investigado com rigor”, afirmou.
Prisão preventiva e investigação
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou nesta segunda que as prisões em flagrante dos três suspeitos por tortura de uma criança foram convertidas em preventiva. O pai do menino, a namorada dele e a filha dela foram presos em flagrante no sábado (30) – o garoto está internado sob a tutela de uma tia.
O caso também é acompanhado pelo Ministério Público (MP), que informou a abertura de uma investigação sobre o caso pela promotora da Infância e Juventude de Campinas Andrea Santos Souza, que ainda não vai falar sobre o caso. A investigação também vai apurar até que ponto órgãos ligados à prefeitura como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Centro de Referência da Assistência Social (Cras), além do Conselho Tutelar, sabiam da situação.
A ocorrência foi registrada na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), no Jardim Londres. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o inquérito policial segue em andamento e “tramita sob sigilo”.
Ainda segundo o Ministério Público, o promotor criminal que vai ficar à frente da investigação só será definido depois que o caso for relatado pela Polícia Civil. A Promotoria vai apurar também o comportamento da família e se foram solicitadas anteriormente medidas de proteção à criança. Situações semelhantes podem ser denunciadas pelo e-mail pjinfcampinas@mpsp.mp.br.
Desnutrição
Policiais que encontraram a vítima informaram que ela era alimentada com cascas de fruta. O menino estava nu, dentro de um tambor de metal fechado com uma telha e uma pia de mármore para evitar que ele saísse. O vídeo do momento em que ele é encontrado mostra que a criança mal conseguia se mexer quando foi encontrada. Ele tinha a cintura, pés e mãos acorrentados.
O menino estava há quase cinco dias sem comer, segundo a polícia. “Colocavam pra ele casca de banana, fubá cru”, relata o cabo Rodrigo Carlos da Silva.
A Polícia Civil acredita que ele estava acorrentado dentro do barril há um mês. “Desde o começo de janeiro já estava sendo preso no tambor. Ele teria que ficar em pé nessa amarração, que era feita com os braços presos em cima do tambor”, relatou o delegado Daniel Vida da Silva.
Em nota, a unidade hospitalar destaca que a criança apresenta quadro de desnutrição. “O Hospital Ouro Verde informa que o paciente tem um quadro estável e continua passando por exames. Ele apresenta desnutrição e está sendo alimentado e hidratado.”
Sofrimento e castigo
Segundo a PM, o menino era mantido em pé no espaço onde também fazia necessidades fisiológicas. A corporação diz que foi acionada após moradores da região perceberam que o garoto havia deixado de ir para a escola e de brincar com outras crianças do bairro.
Os policiais contam que entraram na casa após autorização de uma jovem de 22 anos, que é filha da namorada do pai do menino.
Segundo a Polícia Civil, o pai disse em depoimento que o filho é muito agitado, agressivo e fugia de casa. Ele alegou que fez isso para educar o menino.
Os policiais usaram um corta-fios para remover as correntes e ele foi socorrido por uma equipe do Samu ao Hospital Ouro Verde, onde permanece internado e sob a responsabilidade de uma tia paterna.
Pai pode responder por tortura
A Polícia Civil considerou que o homem aplicou violência e grave ameaça que provocaram intenso sofrimento físico e mental; enquanto que a namorada dele, uma faxineira de 39 anos, e a filha dela, que atua como vendedora, se omitiram e nada fizeram para evitar os resultados.
O delegado de plantão determinou a prisão do pai da criança e, caso ele seja denunciado e condenado, pode receber pena mínima de prisão pelo crime que varia de 2 a 8 anos. Já a namorada e a filha dela, se responsabilizadas apenas pela omissão, podem receber pena de 1 a 4 anos de detenção. A polícia arbitrou fiança de R$ 5 mil para cada uma delas, mas não há informações sobre os pagamentos.
O G1 não conseguiu contato com as defesas dos indiciados até esta publicação.

Área onde criança era mantida, em Campinas — Foto: Polícia Militar